sexta-feira, fevereiro 11, 2011

A nuvem que faltava

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São como os domingos à noite, a tristeza que vem. É passar nas ruas escuras com rádio ligado na alfa, alguém que canta aquele som antigo, chiado velho, voz nova. É o carro com o tanque cheio, são os bêbados passando pela rua, um casal ali e outro aqui, o estabelecimento fechado. As crianças que vão pra cama cedo, os jovens que vão pra cama tarde e tem também os que nem vão. É a música que termina, eu que troco de rádio, um rock, um velho. Sou eu passando pelas avenidas movimentas, pelos bares cheios, pelos jovens e velhos bêbados, pelo batuque do pagode, pela batida do funk e pelo bom e velho estilo do rock, pelo sertanejo estilo corno/apaixonado de ser, é por ali que passo e de cada canção tiro uma letra, um pedaço que fica que faz relembrar, e isso tudo é viver. Sou sozinho no mundo inteiro, sou o só que deixaram depois de um tempo, sou só o que você cansou e deixou só. Sou o resto de mim, o resto que você deixou na porta do teu quarto, nas suas brincadeiras, nas suas fotos velhas. Já não sou mais tudo isso, nem me permito mais ser intimo, apenas me permito ser próximo, um próximo distante. Quem sabe desta vez doa menos? Cansei de ser dois, cansei de esperar mais um prato na mesa, companhia na sorveteria, no cinema... Esperar foi apenas um aquecimento para a solidão que você dizia que não ia ter. Você disse. Veio de você, mas o que me faz pensar que tudo aquilo era verdade? A amizade verdadeira? O olho no olho? É melhor perguntar o que não me fez pensar que era mentira? Deve ser esse jeito engraçado de me agradar, de tocar em todos os pontos bons, de pegar as qualidades e dar mais qualidade há elas. Deve ser esse teu jeito de cantar uma música do nada, de dizer tudo entre as palavras... Ou podemos considerar que estar com você faz de todo dia sexta-feira à noite, sábado à noite, são suas danças desequilibradas, o seu jeito de puxar o erre, de estralar os dedos, de ficar em pé. Deve ser o modo como abre a geladeira, como diz que “os amigos são pra isso” quando aparece do nada em minha casa, dizendo e dizendo, rindo e rindo... Encantando-me. Pra tudo acabar.

Abre a minha geladeira. Traz água. Traz. Pois eu não engulo mais as tuas palavras tão secas, tão sem vida. Um dia desses, você aparece, toma a minha piña colada, se aproxima e eu te puxo. Vivemos algo. Sentindo algo. E você vai logo... Some. Faz-me ir até a tua sala...

- Já não te conheço, você sumiu há dois dias e eu te ligo há três. Você sempre inventa algo, qual será a mentira dessa vez? Que não ouviu o celular? O que vai dizer... Que esqueceu o celular dentro de alguma bolsa ou dentro de um bar? Que sente dores há dois dias, mas que há três já sabe que vai doer. Que porra você está fazendo? Está pegando meu tempo, estocado dentro do seu armário e o jogando no ralo? E que música é essa? Que rock é esse? Precisa mesmo escutar tão alto assim? Ah sim, já sei, por isso não atende ao telefone! Nem ao celular, mas há dois dias que você só sabe escutar isso? E há três já está surda há muito tempo!

- Me liga. Liga de novo. Retorna se quiser. Steven Tyler, esse é o rock de 1987 e “Pemanent vacation” é o nome do cede, e essa música que seus ouvidos têm a sorte de escutar chama-se “Heart’s done time”, a primeira do cede, conhece? Aliás, meu copo está vazio...

“Mas é claro que eu conheço! Pemanent vacation, é o ‘nosso cede’”- Não escutou nada do que eu falei?

-Ah sim o celular... Esqueci dentro da bolsa... Licença me deixa aumentar o som... “Magic Touch” conhece?... Fique a vontade, vou pegar algo pra beber.

Eu vou. Vou embora. Tudo bem em me encantar assim, mas já me disseram que a indiferença é a pior coisa que você pode dar para alguém.

São como os domingos à noite, a tristeza que vem. É passar nas ruas escuras com rádio ligado na alfa, alguém que canta aquele som antigo, chiado velho, voz nova...

É como definir a tristezas em dias, tentar dividir ela em horas, e em cada minuto tentar entender por que tem pessoas que nos tem na palma de suas mãos e simplesmente em um belo dia só porque não acharam uma nuvem bonita no céu, nos entregam a indiferença.

9 comentários:

Vitória ∞ disse...

lindo, muito lindo mesmo.

Ju Fuzetto disse...

No meio dessa indiferença existe uma mistura encantada de ternura e devoção em tuas palavras. Tão bonito tudo por aqui. Beijos e bom final de semana!

Anônimo disse...

Parece indiferente, mas o toque sutil de ternura nos mostra e prova sempre o contrário...

É aquela eterna ironia doce, e acho que disso a gente entende, hahahahaha.

Beijo!

Gabriela Freitas disse...

Sempre com otimos escritos, quanto talento hein Lu!

Anônimo disse...

Envolvente seu texto.
Continue assim.
Bom fim de semana.

Ana SSK disse...

Belíssimo...

ficar e ser indiferente é sempre mais difícil....

Cynthia Brito disse...

Poxa, Lúh. Divino teu texto.

E a fotografia combinou bastante.

"Já não sou mais tudo isso, nem me permito mais ser intimo, apenas me permito ser próximo, um próximo distante. Quem sabe desta vez doa menos?"

Ótimo fim de semana! Beijos **

Suzana Guimarães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Suzana Guimarães disse...

Gosto de textos assim, identifico-me com tua escrita. Mistura-se o cotidiano, a geladeira, a rua lotada de gente, com a música que se ouve, com ausência, com "espera é aquecimento para a solidão".

Porque a vida para mim é assim, é isso. Você vive o teu dia, lotado de coisas por fazer, ver e pegar, e mistura com teus sentimentos, que ficam vagos na alma. Não se separa nada, é impossível.

Muito bom!

Um abraço,

Suzana/LILY