quarta-feira, dezembro 08, 2010

um, nove, nove e um.

 

 

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Meus dedos brancos, sobre as teclas brancas e outras pretas, não conseguia tirar nenhuma nota do gigantesco piano, nem se conseguisse, não saberia, não sei nada sobre pianos. Meus dedos caminhavam sobre as teclas, acariciava-as, desejava o saber, o saber toca-las adequadamente que fizesse que surgisse algum som agradável, bom aos ouvidos. Mas nada. Sons perdidos que só combinavam com a música em minha cabeça, saiam do piano.

Ao meu lado havia uma estante branca enorme com várias prateleiras, na maioria delas havia livros de todas as cores e tamanhos em outras havia porta retratos em alguns deles fotos de crianças, uma delas com uma bola de futebol amarela outra foto uma menina de cabelos encaracolados assoprando uma vela de cinco anos, as fotos pareciam tão reais que em algumas delas pude sentir a emoção de fazer cinco anos, de brincar com uma bola, de correr pela grama ser criança e mais nada. A foto que mais me chamou atenção foi de um garotinho com uma camisa polo azul claro, seus cabelos pretos bagunçados, seus olhos curiosos enquanto brincava com um carro pequeno e vermelho, em suas mãos um controle remoto e em sua face um sorriso sapeca. Sorri comigo mesma desejei ter conhecido essa parte daquele garotinho que um dia viria a ser homem. Queria. Senti meu pescoço implorar para mudar de posição quando dei conta estava paralisada com uma das mãos sobre o piano e a outra sendo usada como apoio no banco e meu corpo quase todo virado para a grande estante branca e meus olhos seguiam apenas uma direção, a da foto com o garotinho, do sorriso travesso, sapeca...

Levantei do banco e fui até o porta-retratos do garotinho passei meus dedos rígidos sobre sua face fotografada, meu coração disparou, não era de verdade, mas eu queria que fosse, peguei o porta-retratos que tinha as bordas pretas e no canto quatro números, li em voz alta – um, nove, nove, um. Respirei fundo havia alguma coisa me sufocando, soltei o ar, uma lágrima fugiu de minhas emoções...

Desejei por vários minutos seguidos que aquilo que existia dentro de mim acabasse que lágrima nenhuma conseguisse mais fugir que nada mais doesse. Nada. Era como pedir para uma porta, não feche mais, não abra mais e não me tranque aqui, não deixe entrar ninguém. Então senti tudo de novo e de novo e de novo.

Precisava me recompor onde estava com a cabeça quando resolvi vim até aqui, onde estava a minha cabeça? Olhei para foto. Não sabia onde estava minha cabeça, mas sabia muito bem onde estava meu coração. Escutei passos atrás de mim, na hora coloquei a foto no seu lugar, meus dedos tentaram se esconder, fiz minhas lágrimas sumirem afinal teria muito, mas muito tempo para chorar, eu poderia segurar por mais algumas horas. Poderia.

Respirei fundo e olhei para trás. A Senhora que estava vindo vestia um vestido preto que cobria os joelhos, eu que não entendia nada de moda, apenas o achei bonito, sua face estava pálida, onde estava aquela mulher alegre? Não sabia dizer. Ela agora era apenas uma pessoa que estava também aguardando o seu momento para chorar em paz pelo filho.

Em anos de convivência nunca abracei aquela mulher, desde pequena que frequentava aquela casa ela nunca me tratou com tanto calor, mas era animada com as outras pessoas então para mim ela era feliz, apenas não simpatizava comigo, filha da empregada. Hoje quando a vi estava vindo em minha direção com tanta convicção que meu corpo, com medo, não conseguiu sair do lugar, senti que ela iria me matar, mas ao contrário do meu desejo ela apenas me abraçou. Abraçou-me! Sim.

- Eu estou morrendo Maria – ela confessou.

Não sabia o que responder todos estávamos morrendo, eu estava morrendo, estava querendo fugir, ou morrer também... Agora tanto faz.

Ela me apertou pressionou sua face contra o meu ombro e por ali ficou e por ali as lágrimas foram sendo absorvidas pela minha camisa azul marinho e por ali fiquei abraçada com a mulher que nunca tinha demonstrado nem simpatia por mim e que hoje, logo hoje, ela resolveu me abraçar, entregar suas lágrimas a mim, somente a mim.

Várias cenas da vida que eu vivi e não sabia que era maravilhosa passaram pela minha cabeça, a senhora de preto não poderia ver, nunca sabia o quanto eu a admirava, jamais, nunca poderia ter a noção do quanto queria ser a aceita por ela, de ser a sua nora querida. Ela poderia saber... Nunca. Agora tanto faz, para que saber? Por que querer começar, a saber? Por quê? Agora o que havia de mais precioso estava morto e o resto da vida que tinha sobrado em mim, a minha respiração e as minhas necessidades também estavam padecendo. Enfim aquilo era o fim. Era parte que tudo fica negro, alguém apaga luz, coloca uma música bonita e dedica tudo de belo que foi assistido para alguém que fez tudo ficar belo e eu não poderia fazer diferente... Apenas dedico...

Leonardo Campos Cardoso.

Com amor Maria Beatriz Cardoso.

7 comentários:

Gabriela Freitas disse...

Nossa...não me canso de ler seu blog, repetidas vezes, seus textos são tocantes ao extremo...adoro a sensação que eles dão, a sensação de fazer parte da historia, mesmo não fazendo...

Anônimo disse...

Posso roubar um pouco das palavras da Gabi?
"Nossa... não me canso de ler seu blog"
A mais pura verdade, como uma arma de muitas balas, você só dá tiros certeiros.

Beijos, Lua

Nina disse...

Me senti na pele da personagem! Amo ler seus post! Transmitem sentimentos impressionantes!

Realmente AMO vir aqui!

bjinhos

Nina

Cynthia Brito disse...

é Luh , cabe à cada um ser feliz da sua maneira , e seguir o caminho que Deus nos guia!

Beijo :**

Tay disse...

Uol, legal o texto, gostei.

bjus =*

Naty Araújo disse...

Aaaaaaaaaaaaii como eu adoro ler textos assim.
Adorei, mil vezes adorei.

Só essa foto já me instigou a ler todinho rs.

Bom demais.

Anônimo disse...

Que lindo, se palavras!